Negócios / O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que um plano de saúde forneça a uma paciente com esclerose múltipla um medicamento de uso domiciliar. A decisão da Quarta Turma da Corte abriu exceção na lei e na própria jurisprudência, reconhecendo não ser razoável obrigar a paciente a se submeter à utilização de medicamento injetável e em ambiente hospitalar diante da recomendação de uso do remédio domiciliar, mais barato e mais eficiente para seu tratamento.
A jurisprudência do STJ vem afastando a condenação das operadoras ao custeio de medicamentos de uso domiciliar, considerando apenas as exceções previstas na lei, para medicamentos contra câncer. O artigo 10, inciso VI, da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998) determina a exclusão de remédios para tratamento domiciliar da cobertura dos convênios médicos, salvo nos casos de tratamentos antineoplásicos e aqueles previstos no Rol de Procedimentos e Eventos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Porém, o colegiado do STJ entendeu que poderia superar essa barreira no caso da paciente com esclerose múltipla, por uma questão de razoabilidade. O voto do ministro Marco Buzzi, que foi acompanhado pelos ministros Raul Araújo e Isabel Gallotti, destacou que afastar a obrigação de custeio do medicamento domiciliar fingolimode implicaria fazer a paciente avançar de fase no tratamento, que funciona de maneira escalonada.
“Não é razoável exigir que a recorrente passe, de plano, para a etapa subsequente de tratamento, na contramão das recomendações dos órgãos técnicos e da médica assistente, e que seja submetida a tratamento injetável, realizado em ambiente hospitalar, quando pode fazer uso de tratamento via oral, mais prático, indolor e sem gastos com deslocamento e dispêndio de tempo, além de representar custo inferior para a operadora do plano de saúde, não afetando o equilíbrio contratual”, afirmou a Corte do STJ na decisão.
Tratamento mais adequado à paciente
O fingolimode é um remédio aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com indicação em bula para o tratamento da esclerose múltipla. Ele foi recusado à paciente por se tratar de um medicamento de uso domiciliar. De acordo com o plano de saúde, a obrigatoriedade de custeio para o tratamento da esclerose múltipla limita-se à terapia imunobiológica por via endovenosa, intramuscular ou subcutânea, não contemplando o fornecimento de medicamento administrado via oral.
O fingolimode está previsto no rol da ANS, que lista a cobertura prioritária dos planos de saúde. Porém, segundo a diretriz da Agência Nacional de Saúde, o remédio só deve ser fornecido como segunda ou terceira linha de tratamento da esclerose múltipla, após a administração do natalizumabe, um medicamento de uso intravenoso.
Segundo o relatório médico, contudo, esta seria a 4ª linha terapêutica para a paciente, que já fez uso de outros medicamentos injetáveis previstos no rol da ANS, mas sem sucesso, sendo o fingolimode o remédio mais indicado para o seu tratamento atual.
Em seu voto, o ministro Marco Buzzi destacou não ser adequado exigir que a paciente pule etapas do tratamento, na contramão das recomendações dos órgãos técnicos e da médica assistente, reconhecendo a importância do medicamento para evitar que ela tenha surtos da doença, com degeneração neurológica e progressiva e desenvolvimento de sequelas incapacitantes irreversíveis
Cobertura de medicamento domiciliar
O voto do ministro Buzzi, acompanhado pelos ministros Raul Araújo e Isabel Gallotti, prevaleceu sobre o entendimento dos ministros João Otávio de Noronha e Antonio Carlos Ferreira, relator do processo. "Conclui-se, assim, que a negativa de cobertura do medicamento, na hipótese, revela-se abusiva", sentenciou a Corte do STJ sobre a recusa do medicamento domiciliar.
O STJ reconheceu que o caso apresenta particularidades que justificam a aplicação de entendimento diverso da jurisprudência prevalecente e da lei quanto à exclusão da cobertura de medicamento domiciliar pelo plano de saúde.
O professor da pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e advogado especialista em ação contra planos de saúde, Elton Fernandes, explica que a exclusão de medicamentos de uso domiciliar da Lei dos Planos de Saúde foi uma decisão tomada no contexto da medicina daquela época, pois medicamento domiciliar, naquele momento histórico, referia-se a antitérmicos, antigripais ou para doenças transitórias do organismo que poderiam ser simplesmente adquiridos em farmácia, sem prescrição médica. Mas a medicina evoluiu ao ponto de se ter, atualmente, medicamentos de uso oral para o tratamento de doenças autoimunes, reumatológicas e oncológicas.
“A forma de administração de um medicamento, se é ambulatorial ou oral, não deve ser mais importante do que sua finalidade terapêutica. Compete ao Poder Judiciário separar o uso do abuso, o necessário do supérfluo e, neste ponto, é importante que o médico justifique tecnicamente sua escolha, relatando, por exemplo, quais medicamentos já foram utilizados e que não surtiram efeito, inclusive aqueles que estão listados dentro da regra da ANS. Isso pode ser fundamental para justificar a indicação clínica do medicamento domiciliar em substituição ao tratamento ambulatorial”, explica o professor Elton Fernandes.
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